quinta-feira, 21 de outubro de 2010

RICARDO PEREIRA FOI ALUNO DO PLANETA ÁGUA - SEMPRE BRINCAMOS COM ELE: NOSSO MELHOR ALUNO!!! - ELE É MINEIRO E CHEGOU FALANDO: " MEU SONHO É APRENDER A VELEJAR!" NÃO DEU OUTRA, BONS VENTOS RICARDO!!!!


Diário de Bordo
Embarcação: Veleiro Sorriso, Velemar 33, ano 1984
Capitão: Ricardo C. Pereira
Tripulante: Sergio M. Maeda
Derrota:
De: Iate Clube de Santa Catarina Veleiros da Ilha, Florianópolis – SC
Para: Iate Clube de Santos sub sede de Ilha Bela, Ilha Bela – SP
Com paradas em: Caixa D’aço, Porto Belo - SC;
Iate Clube de Capri, São Francisco do Sul - SC;
Ilha do Bom Abrigo, Cananéia - SP;
Iate Clube de Santos, Santos - SP;



Rio de Janeiro, 13 de gosto de 2010


Estive numa semana de trabalho pela TIM em Brasília e Rio de Janeiro. Meu último compromisso encerrou-se às 15hs no escritório da TIM em São Cristóvão, RJ, desta sexta feira. Acabo de chegar ao aeroporto do Galeão para o vôo de volta a Curitiba. 
Já me encontro no saguão de embarque e vejo que ainda tenho 15 minutos antes de embarcar. Dá tempo de rever, pela centésima vez, a previsão do tempo para o final de semana e torço para que as coisas se amenizem em relação a tudo o que vinha me preocupando durante a semana. Enfim chegou a hora de tomar a decisão se iria mesmo iniciar a viagem no sábado seguinte. Durante a semana toda foram noticiadas a chegada de uma frente fria no sul do país e formação inesperada de um ciclone extratropical na área designada pela marinha de alfa, a região da costa do Rio Grande do Sul e uma parte do Uruguai e da Argentina. Com isto, a previsão era de muito frio, ventos fortes de sul e mar variando de agitado a condição de ressaca. Além do mais, a frente já havia entrado no Rio Grande do Sul, fazendo vários estragos em algumas cidades do litoral com registros de ventos de até 100 km por hora. Pois bem, nada tinha mudado, e eu estava prestes a desistir.
Até onde minha experiência alcança, as maiores preocupações eram com a direção e a intensidade do vento. Todos que fazem este trajeto sabem que a melhor condição de subir a costa brasileira é durante uma frente fria onde o vento predominante é de sul, ou seja, a favor. Acontece que uma frente fria na costa sul do Brasil é sinônimo de chuva, ventos fortes, frio e, às vezes, mar agitado. Entretanto, a previsão do vento sul em Florianópolis mostrava máxima de 20 nós e em São Francisco do Sul, o primeiro destino escolhido, era de 12 nós, assim como em Santos. Portanto, nada de muito forte para um vento de popa. Essa era a minha única argumentação positiva sobre decidir pelo ir.
Fiz uma ligação para o Maeda que estava passando a semana em Campinas num treinamento e que, assim como eu, só chegaria em Curitiba à noite. Ele estava antenado nas previsões do tempo e também mostrava muita preocupação. Então fiz a minha preleção reportando todos os dados das previsões e expliquei meu plano: chegaríamos em Florianópolis as 11 h da manhã do sábado e levaríamos por volta de duas horas para carregar o barco com o rancho e os preparativos de saída; nosso primeiro destino seria Porto Belo, um trajeto curto que nos permitiria chegar lá ao anoitecer. Sairíamos pela baia norte de Florianópolis e experimentaríamos as condições do mar. Se fossem severas, poderíamos nos abrigar em vários lugares como Jurere, ponta dos Magalhães e Ganchos. Tínhamos estas possibilidades de abrigo caso as condições estivessem pesadas. Ele concordou e eu fiquei mais tranquilo. Chegando em Curitiba, no caminho entre o aeroporto e minha casa, senti que precisava conversar com alguém experiente e discutir minhas avaliações. Necessitava de um feedback e um incentivo. As únicas pessoas que vieram à minha mente foram o Paulo da Clean Boat e a Néo do Planeta Agua. O Paulo já fez várias travessias, inclusive no meu barco com o antigo dono. Relatei a ele os dados da previsão e minhas intenções. Afirmou que seria desconfortável, mas que estava tudo bem. Era o que eu precisa ouvir. Além disso, eu tinha dois dias extras caso tivesse que esperar em algum porto intermediário. Em seguida liguei para a Neo perguntando sua opinião sobre as condições do vento. Ela reportou pelo site do windguru nada além do conhecido vento sul entrando a tarde. Fiquei mais confiante ainda.
Pois bem, chego em casa e anuncio que estava decido a ir mesmo. A Gabriela logo me advertiu: “não vá deixar sua ansiedade estragar todo o programa”. Isso me fez rever por mais algumas vezes os dados das previsões e se meu planejamento continuava certo.
Foi uma noite tensa. Não consegui dormir direito. Tinha marcado o despertador para às 5h30, mas nem precisei do alarme, às 5 h já estava desperto.

Florianópolis, 14 de agosto de 2010

O dia estava maravilhoso, céu aberto com o sol de inverno se esforçando para aumentar em alguns poucos graus a temperatura que registrava 14ºC naquela manhã. Assim que chegamos, fomos ao supermercado fazer as compras. Precisávamos ainda de dois galões de 20 litros para levar combustível extra para o motor, pois o barco só dispõe de um tanque de 50 litros o que dá uma autonomia de 100 milhas apenas, e o trecho todo prefaz um total de 370 milhas. Não consegui no comércio local e achei que no clube daria um jeito. Chegando lá, o Adriano, que é um dos marinheiros do clube, arranjou-me um de 50 litros e o recompensei com um bom dinheiro para as suas cervejas do final de semana.
Pronto, o barco estava abastecido de combustível, comida, bebida e gelo e nós ansiosos para partir. Fomos ao restaurante do clube almoçar. Em seguida, embarcamos, ligamos o motor e soltamos as amarras. Soltar as amarras tem um significado e tanto. Pergunte a qualquer navegador.
O vento ainda era fraco de sul e a previsão dizia que subiria para os 20 nós durante a tarde, a temperatura já estava em 20ºC. Passamos pela ponta do Tinguá que representa já estarmos saindo de uma navegação em baia abrigada para uma navegação costeira em mar aberto. Logo o vento chegou aos 20 nós e, nas rajadas típicas do vento sul, registramos ventos de até 30 nós. Com isto, o mar ficou bem agitado com ondas de 2 a 3 metros de sudeste. Uma loucura!!! Uma verdadeira máquina de lavar roupa. Como dizem os marinheiros, o barco estava deixando bigode, termo usado quando o barco deixa um rastro de espuma ao singrar um mar violento. Mas, todas as forças de vento e ondas nos empurravam para o norte. Desta forma, nossa velocidade não baixava dos 5 nós o que era bem melhor do que o motor. O barco balançava de -45 a +45 graus com a passagem das ondas causando um desconforto enorme para fazer qualquer operação dentro do barco. O Maeda estava tranquilo com aquela situação e assim fiquei calmo também.
Temos no barco dois tipos de rádio de comunicação. Um VHF marítimo que usamos para as comunicações com os iates clubes, rádios dos portos e qualquer outra embarcação. Este tem um alcance de no máximo 15 milhas. O outro é um rádio amador ICOM IC706MKIIG que abrange toda a faixa de HF, VHF e UHF. Toda a costa de Santa Catarina e do Paraná é coberta por repetidoras de rádio amador que nos permitem uma comunicação com terra em qualquer parte desta costa. Através desse rádio, falávamos com o nosso amigo Dimira (PY5RB) que nos deu todo o apoio de terra, passando diariamente as previsões do tempo e as condições do mar. É bom lembrar que o celular só nos foi útil nas proximidades dos locais de paradas. Durante todo o dia, só tínhamos o rádio como meio de comunicação com o mundo. Era nosso cordão umbilical.
Chegamos ao Caixa D’aço às 19h30 com vários barcos de pesca fundeados lá, mas longe do movimento de embarcações de recreio presentes nas temporadas de verão. Logo jogamos o ferro e fomos tratar do jantar. Tivemos um sentimento de sucesso por ter chegado bem. Pois, tínhamos tomado a decisão de ir e até o momento parecia acertada. Estava feliz, tomamos as únicas duas latas de cerveja (Guiness e Malzibier) a bordo e o meu sempre companheiro Jack. Fomos dormir cedo depois de nos deliciarmos com uma picanha assada com batatas, arroz e salada.
O Caixa D’aço é considerado o melhor abrigo da costa sul do Brasil por proporcionar proteção de todos os ventos dominantes de norte e sul, além do pouco presente vento leste. O único vento que faz as águas balançarem é o vento de oeste que é raro nessa região. Mas, justamente esta noite ele surgiu e nos proporcionou uma noite com muito balanço. Como minha cama é em cima dos tanques de água, dá para imaginar o barulho de água chacoalhando no tanque a noite inteira.


Costa Catarinense, 15 de agosto de 2010

Acordamos as 5h30 porque tínhamos planejado chegar cedo em São Francisco do Sul. A previsão era de vento sul, mas com intensidade fraca, ondas de 3 metros ainda de sudeste. Saímos de motor e o vento era um terral (oeste) fraco, nas primeiras horas da manhã.
O Maeda, desfrutando de todas as facilidades do seu potente GPS, quis constatar se o horário informado do nascer do sol naquele local era realmente verdade. O sol mostrou seus primeiros brilhos às 6h44, exatamente, como mostrado no GPS. Demos boas risadas da dúvida levantada pelo conhecimento astronômico dos dias de hoje.
Ao passar por Itapema, o vento passou dos 10 nós e logo abrimos todos os panos, que no barco são as velas grande e genoa, e desligamos o motor. Estávamos velejando de través folgado com velocidade acima de 5 nós. Sensacional. O dia estava aberto com sol, fazia um frio cortante e as ondas eram bem altas e espaçadas e bem mais amenas do que no dia anterior. Logo no início da tarde o vento parou e terminamos o trajeto no motor.
Como era domingo e iríamos chegar ao Iate Clube de Capri após às 19h, resolvi passar um rádio para o clube informando da nossa chegada e da necessidade dos abastecimentos de combustível, água e gelo.
A baia de São Francisco do Sul e a de Paranaguá são as duas únicas opções de abrigo e reabastecimento para quem faz esta travessia de Santa Catarina rumo ao sudeste brasileiro. Sendo a de São Francisco a mais indicada por incrementar menos o trajeto quando comparado com uma linha reta entre Ilha Bela e Florianópolis. Por isso, o Iate Clube de Capri é o ponto estratégico para paradas de descanso, abrigo de mau tempo e reabastecimento. Eu ouvi dizer que eles têm dificultado as coisas para os cruzeristas, mas a função deles é muito importante para a comunidade náutica e seria uma indelicadeza se deixarem de oferecer seus serviços.
Sempre fui muito bem recebido no Capri. Já tinha passado duas vezes por lá. Assim que nos aproximamos, passei um rádio de novo dizendo que estávamos próximos e solicitei a ajuda de um guia para passar pelos bancos de areia traiçoeiros da entrada do canal do clube. Já era noite e não queria arriscar, apesar de que agora tem uma marcação de bóias iluminadas bem melhor do que os palitos de antigamente. Como esperado, o clube estava praticamente fechado, mas minhas encomendas estavam prontas no trapiche para embarcar no Sorriso. Fizemos os reabastecimentos dos galões extras de combustíveis, do tanque, além de uma boa faxina no barco com água doce e saímos para tomar um agradável banho quente. O primeiro, aliás, depois que partimos no sábado à tarde. Cozinhamos no barco porque o restaurante do clube estava fechado. Nada que a nossa massa com molho pronto de tomate com linguiça nos fizesse lembrar de restaurantes.
Fizemos contato com o Dimira para atualizar as previsões. Não tinha muita mudança, o mar ainda apresentava ondas altas de até 3 metros e ventos mais fracos, agora de sul com previsão de mudar para leste, nordeste à medida que aproximássemos do estado de São Paulo.
Aliás, a repetidora de rádio amador que atendeu a gente muito bem desde a saída de Florianópolis até o Capri foi a 146640 que fica no morro dos Perdidos. A outra opção era a 145210 que fica no morro do Caratuva, porém não possuia cobertura similar da 6640 até este ponto. Já prevíamos que a medida que fôssemos subindo a costa, haveria uma inversão onde a repetidora do morro do Caratuva ficaria predominante até as proximidades das ilhas Queimadas.
Marcamos o despertador para as 5h30 e fomos dormir. Não queria sair antes de clarear o dia para poder enxergar bem as bóias dos bancos de areia. Ficamos no trapiche do clube onde esperávamos uma noite bem calma e sem balanço. Ainda estava bem frio à noite com a temperatura na casa dos 12ºC, mas a temperatura no interior do barco não baixou dos 18ºC.

Costa Paranaense, 16 de agosto de 2010

Saímos do Capri às 6hs30 e tudo correu bem pela passagem dos bancos de areia. Ao sair do canal de São Francisco do Sul para o mar aberto, colocamos a proa no rumo da ilha do Bom Abrigo, nossa próxima parada à 75 milhas dali.
O dia estava nublado e o horizonte trazia várias formações de chuva. Fizemos novo contato com o Dimira, em Curitiba, para ver a previsão recente do tempo. Ele nos informou que estava prevista uma chuva leve de 1mm. Em Curitiba fazia 8ºC e garoava. Pensamos que nossa situação era melhor. Ledo engano, pegamos uma chuva fina que, rápido, transformou-se em chuva forte. Vestimos nossos impermeáveis. Eu pedi para o Maeda ficar dentro do barco porque não precisava os dois ficarem ensopados. Logo ele subiu, porque com a tampa da gaiúta fechada fica muito quente lá dentro. A chuva não durou muito e tudo voltou à tranquilidade.
Fui dormir um pouco. Quando me levantei, estávamos em frente à Caiobá e nos aproximando do local de fundeadouro dos navios que aguardam para entrar no porto de Paranaguá. O Maeda resolveu contar, mas desistiu ao chegar aos 40. Encerrou a conversa dizendo que deveria ter mais de 60. Parecia um campo de guerra porque eles são uns brutamontes flutuantes e não emanam nenhuma beleza estética. Isso nos obrigou a fazer alguns zigue zagues para nos livrarmos deles.
Passamos quase todo o dia em contato com os rádios amadores de Curitiba. O Maeda (PU5SMM) é muito conhecido por todos o que despertou a curiosidade de saber mais sobre a viagem e acompanhar os acontecimentos. Em especial, fizemos vários contatos com o Vigand (PY5QW), Henrique (PY5IQ) e o Mário (PU5MFC).
Quando saímos do Iate Clube de Capri, perdemos o sinal do celular e sabíamos que só o teríamos novamente em Santos, dois dias à frente. Por isto, as comunicações pelo rádio tornaram-se mais importantes para nós, tanto para receber as informações do tempo quanto para mandar e receber notícias de casa.
Marcamos um contato em HF, na faixa de 80 metros, na frequência de 3750 MHz, no modo LSB, para às 17h com o Vigand. Minha estação de rádio HF é composta do rádio ICOM IC706MKIIG, um acoplador automático de antena para LongWire (ou fio longo) AT-140 e a antena que é um fio esticado da popa até a ponta do mastro. Nunca tinha testado com sucesso a estação, mas para minha surpresa, o contato foi perfeito com bom nível de sinal e o áudio com bastante clareza. Estreei minha estação HF.
Depois ainda fizemos mais um contato com o Dimira que nos informou que o vento sul tinha ido embora e estava dando lugar ao vento de leste a nordeste com baixa intensidade. Ou seja, vento de favorável para contra. As ondas também passavam a ficar de través da nossa rota, Isso porque nosso curso, que antes era uma linha reta para o norte, desviava agora para leste, nordeste, acompanhando a costa paulista.
Ao anoitecer, visualizamos o farol da ilha do Bom Abrigo. Chegamos lá às 19h30.
Com o céu encoberto, não foi possível ver direito a parte da ilha que oferece abrigo para fundear. Eu só tinha estado ali uma única vez e não me recordava com detalhes do ponto. Aproximamo-nos de uma embarcação de pesca que estava bem perto da ilha e limitamos nossa aproximação à uma profundidade de 5 metros. Soltei o ferro e fomos organizar as coisas no barco. O Maeda não ficou seguro com o fundeio e acordou algumas vezes para checar se estávamos arrastando para as pedras da encosta da ilha.
No dia seguinte foi possível ver que fizemos um fundeio correto, com a possibilidade de ter podido nos aproximar ainda mais. Havia alguns barcos de pesca fundeados ali sem nenhuma movimentação.


Costa Sul de São Paulo, 17 e 18 de agosto de 2010

O trajeto planejado era da Ilha de Bom Abrigo até Santos, o que compreende 108 milhas com previsão de 22 horas. Por isto, não tínhamos a intenção de chegar em Santos antes do amanhecer. Logo, resolvemos sair um pouco mais tarde, o que ocorreu às 7h30. Tivemos uma boa noite de sono, apesar do Maeda ter acordado para checar se estávamos arrastando no fundeio.
Ficamos tão animados com as médias de velocidade que vínhamos fazendo que até propus irmos direto à Ilha Bela com previsão de fazermos o trajeto em 30 horas, o que combinaria com a hora do almoço. Resolvemos tomar esta decisão ao anoitecer deste dia.
O dia foi tranquilo, mas já estávamos com a velocidade menor porque as ondas e o vento não nos eram mais favoráveis. Tive a lição de prestar atenção à direção das ondas porque afetam sobremaneira a previsão da derrota.

Antes do anoitecer, fizemos uma programação de turno de duas horas cada um, mas não deu certo. Já tínhamos atingido a ponta da Juréia e o rumo era passar por entre as ilhas Queimada Grande e Pequena. Mas o vento era de leste e apertou chegando à 20 nós e contra. Além disto, o mar ficou picado com ondas com direções diferentes e diminuindo o tempo de repetição. Ou seja, a proa desce uma onda e já acha a subida da outra. Este é o típico mar quebra coco. Estávamos a motor e vi que a velocidade não passava de 3,5 nós com média abaixo de 2,5 nós. O desconforto no convés estava grande.
Por precaução, passamos a usar as linhas de vida que nos prendia ao barco caso alguma onda resolvesse quebrar no convés e nos lançar ao mar.

Resolvi levantar as velas e ir velejando. Sabia que com vento contra e mar agitado, o barco se comporta bem melhor velejando com pouca vela do que a motor. Içamos a vela grande com o primeiro rizo e a genoa com 25% dela enrolada no estai de proa. O barco ficou bem mais confortável, mas agora não íamos mais em linha reta. Fazíamos um bordo para fora da costa com rumo de 120º. Ou seja, estávamos indo para o Sul de novo. No bordo para dentro conseguíamos orçar até 25º, o que nos colocava perto do rumo necessário de 55º.  Assim, fazia o bordo de fora por uma hora e o bordo para dentro por outras duas horas.
Mas, tudo isso dava muito mais trabalho no convés, e nos fez ficar acordados a noite inteira. A velocidade do barco era próxima de 5 nós, mas na direção real ficava em torno de 3 nós. Ou seja, nossa intenção de irmos direto para Ilha Bela foi por água abaixo. O destino foi selado em Santos sem ter a menor noção da previsão em função da nossa velocidade.
O dia amanhecia e o mar pareceu estar um pouco menos agitado. Experimentei o motor o que levou o barco para uma média de três nós. Então recolhemos as velas e fomos a motor. Apesar do desconforto aumentar, podíamos descansar um pouco, porque a motor e com o piloto automático, bastava ficar olhando para ver se tinha algum navio à frente. Assim, demos algumas cochiladas alternadas até o sol estar completamente acima do horizonte.
O dia já estava claro e a gente ainda não tinha passado pelas ilhas das Queimadas. Impressionante o tempo que levamos para andar aquelas 20 milhas. Fizemos em 10 horas o que dava uma média de dois nós. Após passarmos pelas ilhas, o mar ficou bem mais calmo e a velocidade do barco voltou a bater nos cinco nós com média entre quatro e cinco. Isto projetava a chegada em Santos no meio da tarde.
Ao nos aproximarmos de Santos, o sol apareceu tímido, a temperatura próxima de 19ºC, o mar estava mais compassado e pudemos descansar melhor. Tinha sido uma noite de muita luta.
O tráfego de navios no porto de Santos é intenso, porém, nosso trajeto de aproximação da enseada que nos colocaria dentro do canal era mais perto da costa e longe da rota dos navios.
Apreciamos a entrada no canal de Santos passando em frente à avenida beira mar com os altos prédios e o movimento dos estaleiros até a chegada ao clube.
O Maeda nasceu e foi criado em Paranaguá e está familiarizado com o porto. Ensinou-me várias operações de navios que acontecem por lá. Acho que é unânime que todos gostariam de ter o salário de um prático.
Passei um rádio para o iate clube de Santos que logo nos autorizou a atracarmos. Chegamos ao clube às 15h30. Nos foi dada uma vaga no trapiche de visitantes à esquerda da entrada do canal. A vaga era para ser entrada de ré. O Sorriso não manobra bem de ré, devido ao passo do hélice que joga o barco para boreste. Precisei pedir ajuda a um marinheiro para a manobra. Demoramos um pouco, mas deu tudo certo.
Fizemos uma limpeza no barco e saímos prontos para tomar um banho e jantar.
Ao entrar pela bela varanda do restaurante, na passagem do banheiro, não resistimos e tomamos umas cervejas geladas e degustamos alguns quitutes antes do banho. Fizemos ali o que os cruzeiristas chamam de cocktail hour ao entardecer com direito a charuto. Perfeito!!!


Depois fomos para o banho e saímos para jantar. Detalhe: às 18h30. Estávamos tão cansados que fomos para a cama antes das 21 h.
A previsão nos foi passada pelo Dimira pelo celular mesmo, mostrava ventos fracos e ondas menores do que 1,5 m. Não tinha nenhuma preocupação com isso.

Costa de São Paulo, 19 de agosto de 2010

Acordamos cedo, preparamos para sair e às 7h estávamos no canal para a saída da enseada. Às 8h30 passamos pela ilha da Moela, olhando de longe, parece uma moela de frango mesmo, e marcamos o rumo para Ilha Bela.
Estava um dia perfeito, céu de brigadeiro e mar de almirante, a temperatura agradável de 20ºC e o barco indo no motor com velocidade constante de cinco nós. Foi um dia sem balanço no convés, de boas conversas sobre nossas infâncias, e de estórias engraçadas de cada um.
Ao nos aproximarmos da ilha do Toque-Toque que marca a entrada do canal sul de São Sebastião, conseguimos sinal de celular e o Maeda ligou para o Vigand para tentarmos um contato com o rádio nos 80 metros. Não é que a comunicação foi perfeita? Pudemos conversar por um bom tempo, nós ali no litoral norte de São Paulo falando diretamente com o Vigand em Campo Largo, PR. Fiquei satisfeito com a estação. Já estava prestes a desmontar aquele fio da antena.

Chegamos à subsede do Iate Clube de Santos em Ilha Bela, às 20h30. Fundeamos numa poita próxima ao clube e fomos recebidos pelos funcionários da empresa que fazem a segurança do clube. O clube estava todo fechado. Ansiávamos por um bom banho quente. O segurança nos conduziu ao banheiro que eles usavam, mas o chuveiro não esquentava. Acabamos no vestiário feminino.
O barco aportou em perfeitas condições, tudo funcionando. Isto é uma benção!
Ao amanhecer, fizemos todos os preparativos para deixar o barco lá. Passamos um rádio para o clube que nos foi buscar de bote. Fomos muito bem recebidos pelo Guto, o gerente do clube, um sujeito boa praça e muito simpático que nos providenciou um senhor café da manhã, abriu-nos todo o clube e acabou nos dando uma carona para pegar a balsa de volta para casa.
Ficamos com uma impressão excelente do clube e da cidade. Anseio agora voltar e curtir um pouco mais este paraíso a bordo do Sorriso.
O Maeda foi um excelente companheiro e tripulante. Deu-me algumas lições de organização que quero incorporar às minhas rotinas a bordo.
Tenho muita gratidão pelo Maeda e pelo Dimira que se propuseram a me acompanhar nesta viagem de barco pela costa do Brasil.

Ricardo Pereira.

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